OBS:

Dedico minhas horas vagas a escrita. Mas a ideia de publicá-las nunca me havia ocorrido.
Assim, dedico essa história a Lorrana e a Patrícia, que me apoiaram, ajudaram e me encorajaram.
-Obrigado

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Capítulo 11 - Mil Faces.

Disseram-me que fui o ultimo a acordar. Enquanto estive dormindo, Michael e Kelly foram procurar comida. Mary ficou preparando a lenha para tentar acender uma fogueira, mas não obteve êxito.

Quando os dois voltaram da caça, ajudaram Mary a acender o fogo. Fiquei espantado quando disseram que conseguiram usando apenas alguns gravetos e capim seco. Assaram alguns peixes que os dois conseguiram pescar. Só depois da comida pronta, tentaram me acordar, mas perceberam que havia algo de errado comigo. E só depois de muito esforço, Michael conseguiu me despertar.

Bom, essa era a parte deles da histórias, faltava a minha.

Eu mal conseguia falar, ainda estava fraco, sentia como se fosse desmaiar a qualquer segundo. Única coisa que me impedia de cair desacordado era o medo de passar por aquilo de novo.

Comi alguns pedaços de peixe, mastigar a carne me ajudou a recobrar um pouco as energias.

Não havia como saber quantas horas eu dormi, não tendo nem ao menos um Sol como referência. Só sei que dormi muito, muito tempo. Mas a sensação que eu tinha era de que havia corrido 10 maratonas consecutivas. Minha cabeça doía, meus braços e pernas estavam pesados, meu corpo parecia mole e desfalecido. Eu não tinha força nem para pensar. Mas mesmo cansado, com muito esforço, consegui contar-lhes o que aconteceu.

Contei tudo o que achei ser relevante, fazendo pausas apenas para recuperar o fôlego, que ainda me incomodava, e uma hora ou outra para responder perguntas curiosas.

Quando terminei, todos ficaram em silêncio. Eu me sentia tonto, até o ato de falar parecia custar-me os últimos suspiros de vida. Meus músculos pareciam feitos de areia. Respirar doía. A cada inspiração, mais meus pulmões protestavam, faziam um esforço enorme para absorver o mínimo de oxigênio.

O silêncio foi quebrado quando Kelly, que estava ao meu lado virada em direção ao rio, soltou um grito abafado de susto.

Olhei para onde ela apontava. Lá estava ele. Do outro lado do rio, próximo a margem. Apenas cinco metros de distância, uma sombra estava parada olhando para nós. Irreconhecível imersa na escuridão.

Só era possível ver o contorno do corpo pouco iluminado pela lua em contraste com a relva. Era difícil dizer quem poderia ser. Ele não se movia, não fazia ruído algum. Eu nunca o veria, se Kelly não o tivesse denunciado.

A essa altura, todos já estava olhando na direção daquele vulto. Não ousamos falar nada. Só ficamos ali parados. Não sabíamos o que fazer. Muito menos sabíamos se havia algo a ser feito.

O que ocorreu depois foi ainda mais estranho. A sombra sumiu. Desapareceu em um microssegundo. Numa hora ele estava lá, nos encarando, parado como uma estátua à alguns metros. No instante seguinte, não estava mais, desaparecera como se fosse apenas uma obra da nossa imaginação.

_Olá - Disse uma voz aguda atrás de nós.

Todos se levantaram sobressaltados, menos eu, que não tinha forças nem para gritar, muito menos para ficar em pé. Me virei devagar, na medida que era possível vencer a dor em meus músculos. O que vi, foi uma mulher parada a menos de dois metros da gente.

Bom, era impossível afirmar se era realmente uma mulher. Suas feições pareciam ondular sobre a face. Olhar para aquilo me causava enjoo. Seu rosto tremeluzia com o luar, pareciam flashes, e a cada milésimo de segundo, parecia algo diferente.

Acho que todos perceberam o mesmo que eu, pois esfregavam os olhos, como se não pudessem entender direito o que viam. Estávamos estupefatos com aquilo, era hipnotizante.

_Nossa, mas que falta de educação, a de vocês. Tentarei apenas mais uma vez… “OLÁ”?

Sua voz chegou até mim suave, feminina. Porém não há como se concentrar. Tudo parecia ambíguo.

_Quem é você? - Mary perguntou.

_Eu posso ser quem você quiser, meu amor. Não é mesmo, John? - Ela virou-se para mim. Logo as ondulações em seu rosto começaram a parar. Ela tomou uma forma mais definida, seu rosto parou de tremeluzir. Segundos mais tarde, estávamos de frente para uma cópia perfeita de Stefany.

Meus olhos se arregalaram. Agora faz sentido, eu sabia que não era Stefany em meu sonho. Não poderia ser. Mas agora a resposta viera até mim como um soco,

_O que é você? - Perguntei, erguendo minha voz. Até isso era difícil de fazer, no estado em que eu estava. O pequeno esforço de um grito era desgastante. Eu tinha que guardar as energias, se não iria desmaiar.

_S-Succubus! - Michael começou a falar. Deu um passo para trás e ficou parado, em posição de prontidão. - John, ela é… um Succubus.

_Hahaha! Vejo que você fez seu dever de casa, rapaz. - Falou ela, mas sem olhar para ele. - É John, eu sou um Succubus.

Eu ainda estava sem entender. O que é um succubus? Que diferença isso faz? Por que Michael estava tão preocupado assim? Eu não sabia as respostas, mas Michael parecia estar entendendo. Ele começou a balançar a cabeça em sentido afirmativo, bem de leve.

_John - Disse ele. - Succubus são demônios que podem ter qualquer aparência. Eles invadem os sonhos das pessoas para roubar a energia vital. Isso explica seu cansaço.

Ela tomou forma de uma mulher alta, com corpo magro e cabelos loiros. Seria sexy, se não fosse assustador. Ela olhou para Michael com um olhar sedutor e um sorriso sínico. - O que você não sabia, querido, é que não precisamos entrar em um sonho para poder nos alimentar.

Mais rápida do que eu poderia acompanhar com os olhos, a succubus pulou. Ela vinha em minha direção. Minha cabeça girava, meus músculos doíam, eu estava tonto e cansado.

Atordoado, só tive tempo de sentir suas mãos agarrarem meu pescoço. Tentei respirar, mas aquelas mãos bloqueavam a entrada de ar. Meus pulmões arderam e meus braços caíram ao lado do meu corpo. Desmaiei.

sábado, 30 de novembro de 2013

Capítulo 10 - A Dama.

Enquanto meu corpo descansava, minha mente não parava de trabalhar, me trazendo uma vastidão de sonhos e pesadelos, da qual eu não podia me defender. Sonhei com Khaled, ensanguentado e sem vida, deitado naquela cama.

Depois a cena mudou, eu era um espectador, flutuando nos fundos do chalé. Vi eu e Michael cavando o enorme buraco da sepultura. As meninas às nossas costas choravam. O corpo, enrolado em lençol branco, esperava pacientemente que seu novo lar estivesse pronta. Seu último lar.

Assisti novamente, tudo o que havia se passado conosco. Uma retrospectiva assustadora, com todos os medos que enfrentei neste lugar. Eu os sentia novamente, senti um arrepio quando vi, novamente, Shamus em nossa sala de estar, exatamente como da primeira vez.

Era como se todo aquele pavor, medo e pânico que senti, não fossem suficientes, e eles voltassem, mais uma vez, para me lembrar de tudo. Tudo o que eu gostaria de esquecer. Tudo o que eu gostaria de que nunca tivesse lembrado. Muito menos vivido.

Eu não estava só “assistindo” novamente. Eu estava vivendo tudo aquilo mais uma vez. Todo sentimento, a dor, o cansaço, o pânico. Tudo. Tudo estava de volta, até mesmo a sensação de impotência, ao ver Kelly sendo atacada por aquele lobo enorme.

Esta cena não saia da minha cabeça já havia dias. A culpa me atormentava, quando ela realmente precisou de mim, eu não pude fazer nada.

E se algo tivesse acontecido? E se Mary não tivesse chegado a tempo? Kelly estaria morta, tudo por culpa minha.

Não era apenas esta vez. Enquanto Shamus a torturava, naquela mesma maldita noite, o que eu fiz? Nada! Fiquei parado, apenas assistindo minha amiga sofrer.

É tudo culpa minha, se não fosse por mim, hoje Kelly não estaria tão reclusa, talvez eu tivesse salvado Khaled, eu poderia ter ajudado. Eu poderia ter feito alguma coisa.

Esses pensamentos não paravam de me ocorrer, eu me torturava com a ideia de que meus amigos morreram, e eu sequer pude socorrê-los.

Mas de repente, todos os sonhos cessaram. Tudo ficou preto em minha mente. Estava ainda mais nítido, ainda mais assustador, ainda mais real. Como se não estivesse sonhando, mas vivenciando. A escuridão era absoluta. Uma voz ressoou pelo vazio.

_Venha para mim, John.

Era uma voz feminina. Calma e sensual. Era suave, aparentava leveza. Eu reconheceria esta voz em qualquer lugar.

_Stefany, é você? - Perguntei, sem conseguir acreditar nos meus ouvidos. - Stefany, onde você está?

_Bem aqui - Ela disse às minhas costas, com a voz mais doce que eu já ouvi.

Virei-me, lá estava ela, deslumbrante, em um vestido vermelho, que chegava a seus joelhos. De tecido leve, o vestido parecia fazê-la voar. Era como se flutuasse, como se estivesse em todos os lugares, e ao mesmo tempo, em lugar nenhum.

Tinha cabelos castanhos, ondulados por cima de seu ombro. Sua pele era branca e seus olhos… Ah, os seus olhos verdes como esmeralda, pareciam me chamar, me atrair para perto.

E lá estava ela, exatamente como me lembrava de tê-la visto pela ultima vez, quando saímos juntos. Deslumbrante, maravilhosa, divina.

_Eu estava com saudades. - Ela falou com um tom triste em sua voz. - Você não voltou. Você prometeu que voltaria.

Nesta hora eu já não conseguia pensar de forma clara. Eu me esquecera de tudo. Só queria saber de continuar olhando para aqueles magníficos olhos.

_Eu também estou com saudades, meu amor. Eu não sei o que aconteceu. Tudo o que eu queria era voltar, mas não pude.

_Isso não importa mais, eu estou aqui agora.

É verdade. Ela estava. Estava bem ali, diante de meus olhos. Eu sentia seu cheiro, conseguia sentir sua aura de beleza se espalhando por toda aquela vastidão negra, como se a iluminasse. E de fato, estava iluminando.

Dela irradiava uma luz, que iluminou o local de forma lenta. Estávamos num quarto, no quarto da nossa primeira vez. Eu lembrei daquela noite. Estávamos bêbados depois da festa, ela me trouxe até aquele local... Minha vida mudou completamente.

_Nós podemos recriar aquela noite, John. Não é isso que você quer?

_Sim… eu quero… - respondi lentamente, dando um passo involuntário em sua direção.

_Podemos vivenciar tudo aquilo novamente. Basta você querer, meu amor.

Sua voz era suave e doce, calma e mesmo assim penetrante. Me atraia, era irresistível. Dei mais dois passos rápidos e parei a sua frente. Estava cara-a-cara com ela. Podia sentir sua respiração, seu calor.

Ela tocou meu braço de leve. Eu não conseguia controlar meu corpo. Ela me arrastava em direção a cama. Eu não conseguia me conter. Eu não queria me conter.

[...]

Seu corpo era quente, exatamente como eu me lembrava. Sua pele era sedosa, e seus lábios macios. Seu beijo me tirava o fôlego. Me deixava ofegante.

Não era assim que eu me lembrava.

A cada beijo, eu me sentia mais cansado. Eu comecei a me sentir tonto e sem forças.

_Não… eu não consigo…

_Esqueça isso, amor. Eu estou aqui. - Ela sussurrava em meu ouvido. Ok. Se Stefany estava comigo, nada mais importava. Nem mesmo uma tontura repentina.

Mas foi ficando pior do que o esperado. Eu não conseguia levantar os braços. O ar escapava de meus pulmões a cada pequeno esforço. Eu não conseguia pensar direito. Meu cérebro estava funcionando de maneira lenta.

A cada beijo eu sentia minha vida se esvaindo. O pouco de energia que me restava, era o suficiente apenas para me manter vivo. Mas não por muito tempo.

De alguma forma eu soube que não era Stefany. Eu queria gritar, mas não conseguia. Eu não tinha forças nem para me manter acordado.

ACORDADO!

Era isso, eu ainda estava dormindo, isso era um sonho. Mas por que se parecia tão real? Por que eu sentia como se minha vida estivesse se esvaindo de verdade?

Eu precisava acordar, mas não sabia como. Aquela coisa, que fingia ser Stefany, estava deitada sobre mim. Com seu rosto pairando sobre o meu, beijando-me sem parar. E eu não conseguia desviar o rosto. Eu não conseguia me esquivar. Era como se eu fosse uma estátua deitada. Meu corpo não respondia a nenhum comando. Simplesmente fechei os olhos.

_John, acorda. - Uma voz ecoou em minha cabeça.

Minha cabeça girava. Eu não sabia o que fazer, eu precisava acordar.

_John, me escuta! Acorda! Acordaaaa!

Agora estava mais alta e compreensível. A voz dele estava mais clara em minha mente.

Acorde! Acorde! Acorde John, por favor!

Senti duas mãos em meus ombros me agarrando forte. Me chacoalharam com brutalidade. Eu não tinha forças para falar. Tentei mover os braços, mas estes não respondiam como deveriam. Tudo o que pude fazer foi abrir os olhos, bem devagar.

Eu estava sentado de costas para uma arvore, estava suado e todos meus músculos doíam. Minha consciência foi voltando aos poucos.

Minha visão tomou foco. Um rosto estava parado a poucos centímetros de mim. Quase gritei. Será a “falsa Stéfany”?

Meus olhos se encheram de medo. Mas quando encarei mais uma vez, meus músculos relaxaram.

_Finalmente acordou. Achei que morreria. Você está bem?

A enxurrada de perguntas vinha de Michael.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Capítulo 9 - O Exílio

Saímos pelas ruas sem rumo certo. Tínhamos apenas a luz da lua cheia para nos mostrar o caminho. Caminhamos por horas e mais horas, sem saber ao certo para onde. Era impossível saber o que era norte ou sul, a lua situava-se no ponto mais alto do céu, e não parecia disposta a sair.

Da casa, só pudemos pegar uma faca, que estava na sala onde Michael havia almoçado e as duas armas que nos restaram, já que as outras duas, de Mary e Michael, foram perdidas durante o ataque dos cães infernais.

Tudo o que sabíamos, é que estávamos indo na direção oposta do castelo da qual chegamos, no primeiro dia.

O braço de Michael já estava bom, ele só o mantinha enfaixado para evitar que os pontos abrissem. Kelly já estava mais calma, retomara a rotina aos poucos, já conversava e falava normalmente. Mas ainda recusava-se a comentar sobre o acontecido naquela noite no beco, uma semana antes.

Pelas nossas contas, já se passara umas 5 horas, desde que saímos da casa. 5 horas caminhando na mesma direção, e ainda não víamos mudança na paisagem. As casas eram idênticas as primeiras, igualmente vazias e sem vida. As ruas e praças, tudo parecia igual.

A fome já estava fazendo sua visita, não tínhamos comidas nem água. A casa nos expulsara sem que pudéssemos pegar nada. Mas se não morrêssemos de fome, com certeza morreríamos de frio.

Todos nós estávamos com roupas finas, levando em conta que lá, todos os dias até então, tinham sido quentes. Não esperávamos essa mudança repentina. Nosso corpo tremia involuntariamente, andamos abraçados para tentar amenizar a sensação. Não sei dizer ao certo quantos graus fazia, pois é difícil ter certeza, utilizando apenas a própria pele como termômetro, mas acredito que não estava muito acima de zero.

Mais alguns minutos caminhando e finalmente começamos a perceber uma leve diferença no local. Uma árvore com folhas mais verdes, um jardim um pouco mais arrumado, umas casa menos destruídas que as demais, porém todas estavam trancadas. Eram diferenças sutis, mas que podiam ser percebidas de vez em quando.

Depois, as casas começaram a ficarem mais raras, mais espalhadas. Eram poucas pela rua, os terrenos foram se mostrando vazios à medida que seguíamos.

O frio começou a diminuir. A temperatura começou a subir aos poucos, depois a oscilação parou, a temperatura ficou o mais agradável possível. Como se alguma criança estivesse apenas brincando com o termostato.

Continuamos caminhando, conferindo todas as fechaduras. Nada. Todas as casas estavam trancadas, não havia força para que as portas abrissem. As janelas não possuíam vidros, e estavam igualmente presas. Não havia como entrar.

De repente a cidade acabou, as casas ficaram para trás. Chegamos a um campo irregular, coberto por um capim da altura do joelho. Havia algumas árvores espalhadas, e um rio corria a nossa direita. Mas isso foi tudo o que conseguimos ver, com os olhos imersos naquela escuridão.

Corremos até o rio, estávamos mortos de sede depois de horas caminhando. Bebemos de forma lenta e sem pressa. Fiquei triste em saber que não tínhamos mais nossos cantis, que ficaram na despensa da casa.

Resolvemos voltar para a cidade para procurar por comida, mas era impossível entrar em alguma casa, pareciam trancadas por magia. E o mais estranho era que, quanto mais para dentro da cidade nós íamos, mais frio ficava. Mas não como antes, desta vez era um frio diferente, extremo. Cinco minutos por entre as ruas, o frio ficou tão intenso que parecia difícil até de pensar.

Não havia escolha, tínhamos que voltar para aquele campo. Voltar para próximos do rio, que naquele momento, era a única coisa familiar naquela paisagem.

[...]

A fome nos corroía por dentro. Continuamos a caminhada, agora, seguindo o curso do rio, que se afastava da cidade. Só parávamos para beber água ou descansar por alguns minutos, antes de continuar a jornada.

Durante uma destas pausas, um movimento nos chamou a atenção. Um remexer entre o capim a apenas alguns metros de nós. Com aquela escuridão era impossível apontar onde foi, mas o som havia vindo da esquerda.

Nós deitamos na grama para nos esconder. Fosse o que fosse, não gostaria que nos visse.

Menos de um minuto depois, o som se repetiu, estava mais constante, estava se movendo. Michael levantou a cabeça de leve depois tornou a abaixá-la de vagar. Me lançou um sinal de silêncio, com o indicador sobre os lábios. Arrastou-se até mim com o mínimo de ruído possível. Quando estava bem próximo, pude ver um sorriso em seus lábios.

_Comida. – ele sussurrou para mim. – Não se mexa.

Ele se pôs de joelho e esperou. Esperou. Foi quando eu ouvi mais um farfalhar entre o capim, a uns 3 metros de distancia. Michael levantou-se com rapidez impensável e atacou.

Assim que vi o que ele fez, me levantei rápido para ir ajudá-lo, mas não foi necessário. Dei um passo em sua direção, mas ele já estava voltando. Carregava um enorme coelho, preso pelas orelhas.

15 minutos mais tarde, o animal já estava morto, sem pele e picado. Michael fizera tudo isso sozinho, utilizando apenas a faca que pegamos da casa, e a água do rio para limpar a carne do coelho.

_Como vamos cozinhar isto? – Perguntou Mary para ele.

_Pelo que vejo, não temos escolha. Não há como acender uma fogueira, além de que, mesmo que houvesse, eu não gostaria de chamar a atenção em meio a este lugar. Teremos que comê-lo cru.

Quase vomitei quando ouvi o que ele dizia. As meninas não pareciam melhor. A ideia era repugnante, carne crua, sem nenhum preparo ou tempero. Só de pensar, meu estômago embrulhou mais uma vez.

[...]

Dizem por aí, que a fome é o melhor tempero. Agora acredito que seja verdade. Foi difícil de comer, ainda mais depois de tantas noites de comida quente e gostosa, preparadas por Kelly e Mary. Mas não era tão ruim quanto acreditei de inicio.

Depois de tanto tempo sem comer, aquilo poderia ser um banquete. As garotas também pareceram satisfeitas. O Gosto não era ruim, tínhamos apenas que deixar de lado velhos hábitos.

Não foi como uma refeição, mas serviu para que saciássemos nossa fome. Com a barriga não mais nos incomodando, roncando ou doendo, poderíamos finalmente dormir.o mais nos incomodando, roncando ou doendo, poderíamos finalmente dormir.

Resolvemos descansar ali mesmo, para que pudéssemos ficar próximos a água. Além de que o capim era mais alto, o que nos daria uma vantagem em ficarmos escondidos.

A partir de agora, o céu seria nosso teto e a Lua nossa guardiã.

Capítulo 8 - Noite

Estávamos jantando, ou o mais próximo que se possa chegar disso, estando em um local como aquele.

O dia que se passou foi dividido, basicamente, em cuidar do braço de Michael e da mente de Kelly.

Michael não teve tantas complicações, foi uma mordida forte e com marcas profundas dos dentes afiados daquelas bestas. Porém, eram apenas 4 perfurações na região de seus bíceps. Alguns pontos, água oxigenada para desinfetar, gaze e uma faixa, e logo seu braço estaria como novo.

Já Kelly não teve tanta sorte, sabíamos que, diferente de Michael, esse ferimento não poderia ser curado. Para esse tipo de problema não existe remédio, não há nada que se possa fazer.

Ela passou o dia quieta e sem comer. Ficou deitada em sua cama, sem nada a comentar sobre o que realmente vira, enquanto encarava aqueles olhos negros. Mas acredito que não entenderíamos de qualquer forma.

Quando anoiteceu estávamos exaustos. Acho que nunca estive tão cansado em toda minha vida. Fui direto para minha cama, sem nem me importar com que tipo de pesadelo eu teria esta noite. Tudo o que eu queria era deitar-me reconfortantemente e recarregar minhas energias.

Sonhei com nós quatro em uma planície enorme, coberta de grama verde. Onde o vento era incrivelmente forte e fresco, o Sol brilhava longe, próximo ao horizonte. Era lindo, a primeira vez que me senti tranqüilo desde que cheguei ali.

O Sol estava se pondo, e nós estávamos sentados naquele tapete de grama macia, tudo o que sentíamos naquele momento era paz.

Infelizmente não durou muito. Como tudo o que acontece neste lugar, a sensação de tranqüilidade acabou. O Sol finalmente se pôs, e a noite fria caiu sobre nós.

Não havia estrelas, o vento parou, o frio começou a arrepiar os pêlos dos meus braços. Sentamos-nos de costas uns para os outros, para que pudéssemos ter uma visão melhor da vastidão daquele lugar. Alguma coisa estava extremamente errada com aquele lugar, e não queríamos ser pegos de surpresa novamente.

Tive a sensação de que essa seria a noite mais longa da minha vida. Um clima de medo passou por nós. Aquela breve impressão de que nunca mais veríamos o amanhecer. Nunca quis tanto estar errado, como queria naquele momento.

Acordei com frio, ainda era noite, mas eu sabia que não conseguiria dormir novamente. Levantei, fui até a geladeira, tomei dois copos cheios d’água e depois deitei no sofá da sala. Fiquei ali, olhando para o teto.

Essa era minha rotina, de quando não conseguia dormir. Um pouco de água, deitar no sofá e esperar o Sol nascer.

Mas não foi assim desta vez.

Eu já estava ali deitado a algum tempo. Michael já havia levantado três vezes para comer ou tomar algo, via que ainda estava de noite, e voltava para o quarto.

Algumas horas mais tarde, e o amanhecer não viera.

Todos já estavam de pé e já tinham tomado café da manhã. E o Sol ainda não havia dado as caras.

Fomos para fora ver o que acontecera. O céu estava limpo, nenhum sinal de nuvens ou de estrelas. Somente a lua pairava sobre nós, e não parecia disposta a sair dali.

_Eu já vi isso antes. – Murmurei, enquanto voltávamos para o sofá. – Sonhei com algo parecido.

_E por que não nos contou? – Mary disse, preocupada.

_Ora, Mary, dentre tantos pesadelos?

Ela pareceu entender, concordando com a cabeça.

_O que viu no sonho? – Perguntou Michael.

Contei a eles cada detalhe. Não queria que ficassem com medo, mas eu tinha de contar.

_Ou talvez seja o fuso horário. – Disse Michael, tentando quebrar o silêncio.

_Talvez. – Eu disse desanimado.

E então esperamos.

[...]

Não tínhamos mais como ter noção do tempo. Horas e mais horas se passavam, e tudo permanecia igual. A noite e somente a noite. Apenas a escuridão ao nosso redor.

Conforme o “dia” foi transcorrendo, ia ficando mais frio. Assim como no sonho. Talvez não estivesse mesmo frio, mas era como se tudo estivesse perdendo a vida, como se tudo já tivesse perdido as esperanças. Como se o próprio mundo estivesse esperando a hora de morrer.

Nessa hora, as palavras de Shamus não saíam de nossas cabeças: “Vocês têm medo do escuro?”.

O psicológico parou de funcionar. Era impossível saber quando dormir e quando acordar. Tínhamos que revezar as horas de sono, alguém sempre deveria ficar acordado vigiando. Não tinha como se manter naquelas condições.

A casa pareceu sofrer as influencias também. Estava ficando cada vez mais raro os momentos em que ela nos atendia. Ao contrário, agora a casa parecia brincar conosco. Quando queríamos dormir, as portas dos quartos simplesmente estavam trancadas. Quando precisávamos comer, a geladeira simplesmente não abria.

Parecia estar nos regulando. Comíamos quando ela queria, dormíamos quando ela deixava. Quando fomos procurar por lanternas, para nos mantermos na escuridão, tudo o que recebemos foram 4 velas enormes, uma para cada um de nós.

Tentamos separar comida. Aproveitamos uma hora em que a geladeira estava aberta e retiramos dela quase tudo o que podíamos, e que não estragava. Achamos que seria a solução, mas toda vez que abríamos uma embalagem de comida extra, ela estava vazia. Não importava o quão pesado o pacote estivesse. Quando abríamos, só continha vento.

O jeito foi aceitar as condições, e nos dobrarmos à vontade da casa.

Alguns dias depois, impossível dizer quantos, nossas velas se acabaram. No mesmo instante em que a ultima vela chegou ao fim, a casa se fechou.

Fechou-se por completo, quartos, banheiro, cozinha, sala, tudo. Ficamos imersos na total escuridão.

A única porta que se mantinha aberta era a da saída. Ok, já entendemos o recado.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Capítulo 7 - Um Velho Amigo

_Vejo que já conheceram meus bichinhos de estimação. Mas não fico nada feliz em ver o que fizeram com eles.

Seu tom de voz era ameaçador. Falava pausadamente, como se quisesse dar ênfase para o que dizia. Olhava para o chão com cara de preocupado, correndo os olhos por entre os cães mortos, espalhados por todo o beco. A vontade que tive era de sair correndo, fugir para qualquer lugar, qualquer canto, para um local aleatório onde eu não precisasse ouvir aquele homem falar.

Ele estava parado a poucos metros, era possível notar seus ombros largos e braços fortes, era totalmente diferente da primeira vez que o vimos, velho e raquítico. Ele parecia mais ameaçador, tinha uma aura fria, como se a morte o acompanhasse.

Quando falou novamente, todos os meus músculos enrijeceram, minha vontade era de correr, mas meu corpo não obedecia.

_Devo parabenizá-los, não é todo mundo que enfrenta uma matilha de cães infernais e permanece vivo para contar.

Kelly arregalou os olhos assim que ouviu o nome. Deu um passo para trás como se precisasse afastar-se o mais rápido possível mas não conseguisse. Simplesmente continuou olhando fixo para o homem à nossa frente.

Ele pareceu notá-la, olhou profundamente nos olhos dela e sorriu como se lesse seus pensamentos.

_Ah, é possível sim, minha querida. É tão real quanto você possa imaginar.

Kelly caiu de joelhos, ainda olhando em seus olhos. Ela parecia vidrada neles. Começou a murmurar coisas sem sentidos. Tentou afastar arrastando-se, mas não conseguia. Ela se mantinha olhando para aqueles olhos negros. Começou a suar frio, parecia ter esquecido até de respirar. Sofria de algo que eu não podia ver, mas podia sentir. Algo incompreensível para qualquer expectador.

_Para com isso, ela vai morrer! – Gritou Mary, aos berros para o senhor.

Se o objetivo de Mary era distrair a atenção dele de Kelly, conseguiu. Ele desviou o olhar de Kelly e a moça caiu deitada no chão duro, pelo menos estava respirando.

_Ela vai morrer de qualquer forma, garota. Não tenha tanta esperança, os dias de vocês já estão contados. – Disse ele, para Mary.

_O que fez com ela?

_Ela é descrente da realidade. Eu apenas mostrei a ela.

_O que quer dizer com isso? Por que não nos fala quem é você? Onde estamos? Por que nos trouxe aqui? – Dizia Mary, descarregando toneladas de perguntas sobre o velho.

_Eu sou Shamus, eu sou o criador deste lugar. Isso é tudo o que precisam saber. Ainda me verão muito por aqui, estou constantemente de olho em vocês. Estou de olho em tudo o que acontece. Tudo o que fazem e tudo o que pensam em fazer.

Shamus se virou bem lentamente, deu-nos as costas e saiu caminhando a passos largos.

_Desculpa ir embora assim, mas sou um homem ocupado.

_Então por que veio? Só para torturar Kelly? – Gritei, com a raiva, tentando recuperar o controle do meu corpo cheio de medo. Arrependi-me um segundo depois, quando ele parou de caminhar bem próximo a saída do beco. Olhou-me pelo canto do olho e respondeu.

_Só achei que o feito de vocês era digno de uma visita. Não vanglorie-se, vocês ainda têm muito o que enfrentar.

Ele fez menção de ir embora, mas parou mais uma vez. Virou a cabeça de leve e nos olhou como se não sentisse nada mais que pena.

_Ah, já ia me esquecendo... – Ele começou, no melhor tom casual que conseguiu. – Vocês têm medo do escuro?

Virou-se e foi embora, deixando a frase ainda pairando no ar. Nunca mais esqueceríamos dela.
"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem." - Mario Quintana